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Nem tanto ao diabo

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Estima-se que 80 bilhões de pessoas já passaram pela Terra, o que dá a entender que a nossa qualidade de vida é baseada nas gotas homeopáticas administradas ao longo de sucessivas gerações. Todos nascem com sentimentos bons, mas acabam absorvendo as influências do meio, seguindo padrões distintos de educação e de cultura, adquirindo experiências positivas, traumas e conflitos.

Hoje, apesar do potencial do eixo tecnológico, há falta de trabalho, de educação, de lazer, de consciência ecológica, e, principalmente, falta de esperança. Por outro lado, sobram miséria, violência, corrupção, insegurança, a banalização da barbárie.

Mas o debate sobre o nosso futuro, como espécie sapiente, pertence a todos. As descobertas científicas deverão se aportar e apontar seus vetores para a construção de uma sociedade menos injusta, embora a discrepância seja considerada justa pelo próprio sistema, no qual a morte de um povo, a agonia de outras espécies, não devem corresponder a agonia, ou a morte de todos. Só que o desrespeito aos direitos e princípios que protegem nossos adversários, negará a profundidade de nossas convicções e revelará o nosso provinciano e perverso desprezo por qualquer espécie.

Se uma pessoa usa apenas 10% de sua capacidade intelectual é porque a outra parte fica enterrada na tumba do medo. Daí, então, muitos deixam de usar a imaginação, a inteligência e colocam-se na condição de eterno pedinte celestial

Por falar em céu, respeitando o mundo ateu e agnóstico, se existir de fato, um julgamento divino, o mínimo que se espera é que ele seja divinamente justo, e que entre mortos e feridos, salve-se quem puder, aliás, desde que os inocentes não paguem pelos pecadores, ou melhor, pelos predadores.

O Criador passa por um baixo índice de popularidade, por um inferno astral nunca visto na história deste planeta, porque sua administração está atrelada à visão de um mundo de injustiças, de perversidades, de fome e impunidades, prevalecendo a lei dos mais fortes, dos mais espertos. Para complicar, de acordo com alguns cientistas relacionados aos estudos genômicos, a invenção divina não parece ser tão complexa como se imagina.

Polêmica à parte, enquanto existirem os questionamentos, dúvidas ou incertezas, crenças e descrenças sobre a origem humana, o melhor é que cada um faça sua parte. Para os menos esclarecidos e pessimistas, o mundo não tem jeito, enquanto que para os espertalhões e otimistas, ele não deve ter jeito. O jeito é submeter os incautos ao conformismo, à acomodação, amordaçando-os pelo vago conceito de que a vida é baseada na lei natural, traçada pelo destino. Mas quem não acredita em si próprio não deve suplicar aos céus, nem tampouco ficar exposto aos apelos exacerbados de certas doutrinas ou seitas milagreiras, que instigam e fazem fortunas, montam impérios em troca da ingenuidade.

Ser adepto da linha filosófica de Tomé faz parte da constituição humana e não sou exceção à regra. Mas nem tanto ao diabo e mais a Deus, e, sob este contexto, encaminho minha prece para que se instaure a paz, acenda a luz da bondade e que vivifique a esperança pela construção de um mundo melhor, mais fraterno, que o desperdício dê sempre lugar à partilha. Que os meus leitores da Gazeta tenham um excelente 2008!        

 

JOÃO O. SALVADOR é biólogo do Cena

 (Centro de Energia Nuclear na Agricultura)

salvador@cena.usp.br

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