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Somos clones de Deus?

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Para os criacionistas, que crêem na imutabilidade biológica do homem e no Gênese bíblico de que ele foi criado à imagem e semelhança de Deus, somos todos iguais que, em bom palavrear, significa verdadeiros clones Deus.

Para os evolucionistas, no entanto, diante de tantas combinações genéticas distribuídas ao acaso, ninguém é igual, e, de acordo com o conceito dos viventes físicos, lesados pelas chicotadas dos costumes, fica difícil exigir o amor cordial e o respeito condicional pela natureza.

Concordo até que tenha havido um acidente de percurso no processo evolutivo, ou uma estratégia do Criador, já que Eva, embora tenha sido criada a partir da costela de Adão, é bem distinta anatomicamente, e, com certeza, de genoma diferente, totalmente fora das características de uma clonagem reprodutiva. Ainda não há como explicar, mas há especulação mobiliária, que no trajeto disforme da reprodução, é grande a possibilidade de ter havido uma transgenia divina ou uma mutação induzida, capaz de transferir genes para comporem os maravilhosos dotes femininos.

Mas se Deus é espírito (Jo 4:24), talvez a tal semelhança e imagem, espargidas por tanto tempo nos manuais bíblicos, signifiquem apenas, o pensamento de uma figura íntegra, de um pregador da justiça e que foge, em boa parte, às leis formalizadas pelo seus criados. 

Quem não quiser envolver em políticas doutrinárias, dogmáticas e filosóficas, no entanto, basta tomar ciência que a clonagem, hoje tão discutida, teve início em 1901, quando um cientista dividiu um embrião de salamandra em duas partes, reproduzindo dois indivíduos idênticos, de genes iguais.

Os genes são unidades fundamentais da hereditariedade, que contêm as informações necessárias para reproduzir um ser vivo, comandando todas as etapas do processo de formação. O DNA, que se localiza dentro do núcleo das células, possui uma coletânea de genes e cada um funciona como se fosse um código de barras, informando as características do indivíduo a ser reproduzido. A cor dos olhos, como exemplo, é determinada por um gene, a dos cabelos, por outro e assim por diante. Se os clones têm genes iguais, devem apresentar as mesmas características físicas, então são cópias idênticas, de mesmo genoma.

Nos vegetais, aqueles que são gerados a partir de estacas, folhas, enxertia e partenocarpia, são clones. Nos organismos macro e microscópicos, a partenogênese, esporulações e brotamentos, também os são, pois não há união de gametas no processo.

 Nos animais superiores, incluindo o homem, a formação de clones é baseada na reprodução sexuada, na qual há a participação do óvulo e do espermatozóide para formar uma nova célula, que pode se dividir em duas, em quatro e assim por diante. Quando, porém, se dois ou mais indivíduos forem desenvolvidos a partir da mesma célula, ou zigoto, são considerados gêmeos idênticos, de mesmo genoma.  

O sonho da imortalidade, da reconstituição de um ente querido à beira da morte, através da clonagem reprodutiva, é impossível, já que a réplica física perfeita não é sinônima de personalidade, inteligência e de índole idênticas, haja vista o que ocorre com os gêmeos univitelinos. Além de tudo, em clonagem feita em animais, vem demonstrando que os clones possuem um envelhecimento precoce, um sistema imunológico vulnerável e com certas aberrações cromossômicas. Desta maneira, além das implicações éticas na criação de cópias idênticas de indivíduos, as técnicas não são suficientemente seguras, trazendo riscos irreparáveis aos clonados.

Um dos mais promissores campos da investigação médica, no entanto, em discussão pelos diversos segmentos da sociedade, é a clonagem terapêutica, cujo propósito é a produção de células-tronco, onde as primeiras células de embriões têm a capacidade de converter-se em qualquer tipo de tecido, de nervoso a ósseo. Graças à sua capacidade de transformação, novas terapias deverão constituir na chave para a cura de várias doenças degenerativas e reconstrução de órgãos lesados, danificados.

É obvio que não se deve confundir a importância da clonagem reprodutiva humana com a clonagem terapêutica. A primeira é inócua, mas a segunda é legítima, útil motivo de esperança de pessoas sofridas, o que torna inaceitável questionar a pesquisa de células-tronco, com base nos mesmos velhos preconceitos religiosos e conservadoristas, que sempre sonegaram o saber.

 

JOÃO O. SALVADOR é biólogo do Cena

 (Centro de Energia Nuclear na Agricultura) – USP

salvador@cena.usp.br

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